Grace Kelly e James Stewart em
JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW, 1954)
JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW, 1954)
PARTE 7: MUSAS E HERÓIS
Grace Kelly e James Stewart. Cary Grant e Grace Kelly. Ingrid Bergman e Gregory Peck. Laurence Olivier e Joan Fontaine. Estes foram alguns dos casais que Alfred Hitchcock "uniu" em seus filmes. Ídolos de sua época, estas estrelas de Hollywood eram admiradas e invejadas por seu público. Privilegiados por sua beleza e carisma naturais, têm-se a impressão de que pessoas como estas pertencem a outro mundo, que não são simples mortais.
E talvez não sejam. Embora tenham sua vida pessoal, como todos os "mortais", astros dessa grandeza parecem estar acima das pessoas comuns. Atividades rotineiras como uma simples ida a um restaurante são registradas por lentes de paparazzi, e logo todo o mundo sabe onde seu ídolo almoçou, e com quem. Se o casamento vai mal, todos ficam sabendo. E quando iniciam uma nova relação amorosa, também.
O que as Ingrids e Caries de ontem e as Julias e Brads de hoje têm em comum é a sua morada. Que não, não é a Califórnia, Nova York ou Londres. Eles vivem no Olimpo. O teórico da comunicação Edgar Morin chamava não apenas artistas famosos em geral, mas também personalidades como campeões esportivos e membros da realeza de olimpianos.
Segundo ele, a informação dos meios de comunicação de massa os transforma em vedetes da atualidade. Por isso situações prosaicas de suas vidas são praticamente elevadas à condição de acontecimentos históricos. "Olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam e humanos na existência privada que levam”, define Morin. E conclui: "A imprensa de massa, ao mesmo tempo em que investe os olimpianos de um papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair delas a substância humana que permita a identificação”.
Desta forma, os olimpianos se tornam modelos de vida, encarnando mitos de autorrealização da vida privada. Morin lembra que estes heróis modelos, em especial as estrelas de cinema, tendem a substituir antigos modelos, como os pais, educadores e heróis nacionais. "Nesse sentido, as estrelas, em suas vidas de lazer, de jogo, de espetáculo, de amor, de luxo, e na sua busca incessante da felicidade, simbolizam os tipos ideais da cultura de massa. Heróis e heroínas da vida privada, os astros e estrelas são a ala ativa da grande corte dos olimpianos, que animam a imagem da verdadeira vida”.
A possibilidade de identificação dos fãs com seus ídolos é a explicação da fascinação exercida por eles. O deus imortal e onipotente das religiões é inatingível. Antigas lendas e contos de fadas estão muito distantes. E as grandes figuras históricas já se foram. Mas os olimpianos vivem, e é possível acompanhar suas vidas pelas revistas e através da televisão.
Olimpo hitchcockiano
Hitchcock não apenas transitou entre os olimpianos de sua geração, como também lhes disse o que fazer, dirigindo-os em seus filmes. É possível identificar pela sua filmografia seus deuses prediletos: Cary Grant, James Stewart, Grace Kelly e Ingrid Bergman. Gregory Peck, Joan Fontaine, Doris Day e Kim Novak foram outros sobre-humanos que desceram do monte grego para filmar com o mestre do suspense.
Grace Kelly tornou-se a musa máxima de Hitchcock depois que o mestre “perdeu” Ingrid Bergman - que estrelara QUANDO FALA O CORAÇÃO (SPELLBOUND, 1945), INTERLÚDIO (NOTORIOUS, 1946) e SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (UNDER CAPRICORN, 1949). Após participar deste último, a atriz foi para a Itália filmar STROMBOLI (idem, 1950), com o diretor Roberto Rossellini. Se apaixonaram, e Ingrid, grávida, decidiu ficar na Europa, deixando na América seu marido e sua filha. Esta história, digna de virar filme, mexeu com o imaginário dos seres humanos comuns.
DISQUE M PARA MATAR (DIAL M FOR MURDER, 1954) foi o primeiro filme em que Grace Kelly foi dirigida por Hitchcock. No mesmo ano, fizeram juntos JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW, 1954) e, no ano seguinte, LADRÃO DE CASACA (TO CATCH A THIEF, 1955). Infelizmente, essa parceria que começou intensa, com Grace estrelando três filmes consecutivos do mestre, durou apenas estes dois anos. Em 1955, a atriz foi convidada pelo governo francês para participar do Festival de Cannes, e lá conheceu o príncipe de Mônaco, Rainier III, com quem se casou. A união teve ainda importante papel político: a manutenção da independência de Mônaco estaria garantida após a morte de Rainier III. Com um príncipe sem herdeiros, o principado voltaria ao comando da França. A nova princesa deu ao príncipe três filhos, salvando o reino. Uma história digna de conto de fadas - e que trabalhada por Hitchcock poderia até se converter em uma trama de espionagem.
Seus admiradores, no entanto, puderam continuar venerando a ídola nas revistas e na televisão, mas não mais no cinema: por razões políticas, a princesa de Mônaco teve de renunciar à carreira de atriz. O ciumento príncipe também exigiu que os filmes por ela estrelados fossem banidos do principado. No dia 14 de setembro de 1982, um acidente de carro põe fim à vida da princesa. Um dos boatos que circularam na imprensa sobre a morte de Grace Kelly foi o de que ela fora vítima de uma conspiração, armada por tradicionalistas insatisfeitos com uma primeira-dama estrangeira.
Fatalidade do destino ou não, um fim trágico. Trágico como as histórias dos habitantes do Olimpo. E que poderia render um roteiro hitchcockiano.
* Trabalho de minha autoria produzido em tempos acadêmicos
A musa de Hitchcock se torna princesa de Mônaco
QUANDO FALA O CORAÇÃO (SPELLBOUND, 1945)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ingrid Bergman, Gregory Peck etc.
INTERLÚDIO (NOTORIOUS, 1946)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ingrid Bergman, Cary Grant, Claude Rains etc.
SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (UNDER CAPRICORN, 1949)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ingrid Bergman, Joseph Cotten etc.
STROMBOLI (idem, 1950)
Direção: Roberto Rossellini
Com: Ingrid Bergman, Mario Vitale etc.
DISQUE M PARA MATAR (DIAL M FOR MURDER, 1954)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ray Milland, Grace Kelly, Robert Cummings etc.
JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW, 1954)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: James Stewart, Grace Kelly, Thelma Ritter etc.
LADRÃO DE CASACA (TO CATCH A THIEF, 1955)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Cary Grant, Grace Kelly etc.