PARTE 11: HITCHCOCKIANAS
Uma das marcas registradas dos filmes de Hitchcock, mestre do suspense e do marketing pessoal, é a aparição do diretor em grande parte deles. Em UM BARCO E NOVE DESTINOS (LIFEBOAT, 1944), Hitchcock é o “modelo” da marca Reduco (foto abaixo), um produto para emagrecer (!), em uma propaganda de jornal. Em INTRIGA INTERNACIONAL (NORTH BY NORTHWEST, 1959), o motorista de um ônibus fecha a porta em sua cara, quando ele tenta entrar no veículo (foto acima). Em TRAMA MACABRA (FAMILY PLOT, 1976), sua silhueta aparece por trás de uma porta envidraçada.
Além destes, Hitchcock deu o ar de sua graça nos filmes O INQUILINO SINISTRO (THE LODGER: A STORY OF THE LONDON FOG, 1927), MULHER PÚBLICA (EASY VIRTUE, 1928), CHANTAGEM E CONFISSÃO (BLACKMAIL, 1929), ASSASSINATO (MURDER!, 1930), OS 39 DEGRAUS (THE 39 STEPS, 1935), JOVEM E INOCENTE (YOUNG AND INNOCENT, 1937), A DAMA OCULTA (THE LADY VANISHES, 1938), REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL (REBECCA, 1940), CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO (FOREIGN CORRESPONDENT, 1940), UM CASAL DO BARULHO (MR. & MRS. SMITH, 1941), SUSPEITA (SUSPICIOUN, 1941), SABOTADOR (SABOTEUR, 1942), A SOMBRA DE UMA DÚVIDA (SHADOW OF A DOUBT, 1943), QUANDO FALA O CORAÇÃO (SPELLBOUND, 1945), INTERLÚDIO (NOTORIOUS, 1946), AGONIA DE AMOR (THE PARADINE CASE, 1947), FESTIM DIABÓLICO (ROPE, 1948), SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (UNDER CAPRICORN, 1949), PAVOR NOS BASTIDORES (STAGE FRIGHT, 1950), PACTO SINISTRO (STRANGERS ON A TRAIN, 1951), A TORTURA DO SILÊNCIO (I CONFESS, 1953), DISQUE M PARA MATAR (DIAL M FOR MURDER, 1954), JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW, 1954), LADRÃO DE CASACA (TO CATCH A THIEF, 1955), O TERCEIRO TIRO (THE TROUBLE WITH HARRY, 1955), O HOMEM QUE SABIA DEMAIS (THE MAN WHO KNEW TOO MUCH, 1956), UM CORPO QUE CAI (VERTIGO, 1958), PSICOSE (PSYCHO, 1960), OS PÁSSAROS (THE BIRDS, 1963), MARNIE, CONFISSÕES DE UMA LADRA (MARNIE, 1964), CORTINA RASGADA (TORN CURTAIN, 1966), TOPÁZIO (TOPAZ, 1969) e FRENESI (FRENZY, 1972). Ou seja, praticamente toda a sua filmografia.
Sobre suas aparições, as screen cameos, ele disse: "É permitido aos diretores de cinema, desde a era da perneira de couro, ao menos uma excentricidade per capita, e meu hábito de aparecer nos meus próprios filmes tem sido, em geral, considerado como um exercício desta prerrogativa”.
Dotado de humor sarcástico e inteligente, Hitchcock também pode ser lembrado por algumas de suas declarações. Por consequência, muito também já foi dito sobre uma pessoa tão marcante e polêmica. A seguir, alguns exemplos.
De Hitchcock:
"Todos os atores são gado.”
Sobre a afirmação acima: "Meus amigos atores sabem que eu jamais seria capaz de fazer uma observação tão insensata, indelicada e insensível; que jamais os chamaria de gado. O que disse, provavelmente, foi que atores deveriam ser tratados como gado”.
Ainda sobre os atores: "Acho delicioso que as estrelas tenham sido colocadas nas calçadas de Hollywood para que possamos pisar em todas elas. É uma demonstração encorajadora de que a Câmara do Comércio da cidade não só tem olhos para a publicidade, mas também é psicologicamente orientada”.
Para François Truffaut e Claude Chabrol, um ano após os dois terem acidentalmente partido o gelo de um lago congelado e afundado nele: "Cavalheiros, penso em vocês toda vez que vejo pedras de gelo chocando-se num copo de uísque”.
Sobre sua ida para os EUA: "Não era atraído pelo local chamado Hollywood. O que queria era entrar nos estúdios e trabalhar”.
Ainda sobre a mudança: "Estou louco para pôr as mãos em algumas daquelas estrelas americanas. Algumas são tão eficientes que será um prazer dirigi-las; e há outras que eu adoraria tirar do pedestal. Gostaria de (...) mostrar a Dietrich chupando uma maçã caramelada”.
Sobre a acusação de ser misógino: "É verdade que em alguns de meus filmes britânicos concentrei-me especialmente no desenvolvimento dos personagens masculinos, em detrimento dos femininos. Mas é porque sempre achei extremamente difícil conseguir que as atrizes inglesas respondessem com naturalidade a uma situação humana. Se mergulharmos uma atriz inglesa num banho de água fria, ainda assim ela vai emergir tentando parecer altiva e digna”.
Sobre comerciais de TV: "A razão de eu amá-los é poder desligá-los. Trata-se de um marco histórico. Em toda a história do sadismo, o comercial de TV é o único caso em que o homem inventou a tortura e forneceu à vítima meios de escapar dela. O que é interessante é que tão pouca gente se beneficie desta oportunidade”.
Sobre a TV: "Uma de suas grandes contribuições foi ter trazido o assassinato de volta para dentro de casa, onde é o seu lugar. Ver um assassinato na televisão pode ser uma boa terapia, pode ajudar a pessoa a elaborar sua agressividade. E no caso de não ter nenhum objeto para sua hostilidade, os comerciais podem fornecê-los”.
Sobre uma de suas maiores dificuldades na realização de um filme - os bebês (as outras são cachorros e barcos): "Os bebês me enervam quando os mando chorar e não obedecem. Fico tentado a alfinetá-los, mas descobri um ardil sensacional. Faço a mãe, de plantão nas filmagens, afastar-se - o que resulta num berreiro completamente satisfatório”.
Sobre a cena do crime em DISQUE M PARA MATAR: "Como vocês podem ver, a melhor maneira de fazê-lo é com uma tesoura” (trocadilho com a palavra tesoura, usada como jargão para a edição de filmes).
Sobre a trama de UM CORPO QUE CAI: "(...) para dizer as coisas simplesmente, esse homem quer se deitar com uma falecida, é pura necrofilia”.
Sobre quando pediu Alma Reville em casamento, a bordo de um navio que balançava terrivelmente: "Não podia me arriscar com floreios por medo de que ela, no estado infeliz em que se encontrava, pudesse pensar que eu estava falando de algum roteiro cinematográfico. Do jeito que foi, ela gemeu, concordou com a cabeça e arrotou. Foi uma das minhas melhores cenas - talvez um pouco fraca em termos de diálogo, mas lindamente executada, e interpretada sem exageros”.
"Me assusto facilmente, eis uma lista de meus produtores de adrenalina: 1) crianças pequenas; 2) policiais; 3) lugares altos; 4) medo de que meu próximo filme não seja tão bom quanto o anterior.”
"Se ao menos as pessoas soubessem que tenho muito mais medo do que elas na vida real.”
"Certos filmes são fatias de vida. Os meus são fatias de bolo.”
Sobre Hitchcock:
"Foi o único a fazer milhões de pessoas tremerem, mas não como Hitler quando disse: ‘Eliminarei todos eles’, e sim emocionando, como um grande artista (...)” - Jean-Luc Godard
“Hitchcock é o único diretor que eu deixaria totalmente sozinho numa filmagem. Ele é sério, honesto, confiável: um tipo para se respeitar, embora não alguém que se convide para um acampamento” - David Selznick
"Esse homem, que filmou o medo melhor que qualquer outro, é ele mesmo um amedrontado, e suponho que seu sucesso esteja ligado a este traço de caráter” - François Truffaut
Mary Stone, neta de Hitchcock, conta no documentário ALFRED HITCHCOCK AND TO CATCH A THIEF: AN APPRECIATION (idem, 2002), de Laurent Bouzereau, que durante a faculdade cursou uma matéria em que os filmes de seu avô eram estudados, e que ela costumava discuti-los com ele após as aulas. Até que fez um trabalho sobre A SOMBRA DE UMA DÚVIDA, filme preferido de Hitchcock. Ele ajudou então a neta em sua tarefa, que mereceu um C do professor, que fizera a observação de que o trabalho estava "pouco elaborado". Mary, ao dar as novas ao avô, ouviu como resposta: "Desculpe, fiz o melhor que pude!".
* Trabalho de minha autoria produzido em tempos acadêmicos
Alfred Hitchcock, garoto-propaganda da Reduco
O INQUILINO SINISTRO (THE LODGER: A STORY OF THE LONDON FOG, 1927)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ivor Novello, Marie Ault etc.
MULHER PÚBLICA (EASY VIRTUE, 1928)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Isabel Jeans, Franklin Dyall etc.
CHANTAGEM E CONFISSÃO (BLACKMAIL, 1929)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Anny Ondra, John Longden etc.
ASSASSINATO (MURDER!, 1930)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Herbert Marshall, Norah Baring etc.
OS 39 DEGRAUS (THE 39 STEPS, 1935)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Robert Donat, Madeleine Caroll etc.
JOVEM E INOCENTE (YOUNG AND INNOCENT, 1937)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Nova Pilbeam, Derrick De Marney etc.
A DAMA OCULTA (THE LADY VANISHES, 1938)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Margaret Lockwood, Michael Redgrave etc.
REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL (REBECCA, 1940)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Laurence Olivier, Joan Fontaine, George Sanders etc.
CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO (FOREIGN CORRESPONDENT, 1940)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Joel McCrea, George Sanders etc.
UM CASAL DO BARULHO (MR. & MRS. SMITH, 1941)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Carole Lombard, Robert Montgomery etc.
SUSPEITA (SUSPICIOUN, 1941)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Cary Grant, Joan Fontaine etc.
SABOTADOR (SABOTEUR, 1942)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Robert Cummings, Priscilla Lane etc.
A SOMBRA DE UMA DÚVIDA (SHADOW OF A DOUBT, 1943)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Teresa Wright, Joseph Cotten etc.
UM BARCO E NOVE DESTINOS (LIFEBOAT, 1944)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Tallulah Bankhead, William Bendix etc.
QUANDO FALA O CORAÇÃO (SPELLBOUND, 1945)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ingrid Bergman, Gregory Peck etc.
INTERLÚDIO (NOTORIOUS, 1946)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ingrid Bergman, Cary Grant, Claude Rains etc.
AGONIA DE AMOR (THE PARADINE CASE, 1947)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Gregory Peck, Ann Todd, Ethel Barrymore etc.
FESTIM DIABÓLICO (ROPE, 1948)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Farley Granger, John Dall, James Stewart etc.
SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (UNDER CAPRICORN, 1949)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ingrid Bergman, Joseph Cotten etc.
PAVOR NOS BASTIDORES (STAGE FRIGHT, 1950)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Marlene Dietrich, Jane Wyman etc.
PACTO SINISTRO (STRANGERS ON A TRAIN, 1951)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Farley Granger, Robert Walker etc.
A TORTURA DO SILÊNCIO (I CONFESS, 1953)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Montgomery Clift, Anne Baxter etc.
DISQUE M PARA MATAR (DIAL M FOR MURDER, 1954)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ray Milland, Grace Kelly, Robert Cummings etc.
JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW, 1954)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: James Stewart, Grace Kelly, Thelma Ritter etc.
LADRÃO DE CASACA (TO CATCH A THIEF, 1955)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Cary Grant, Grace Kelly etc.
O TERCEIRO TIRO (THE TROUBLE WITH HARRY, 1955)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: John Forsythe, Shirley MacLaine etc.
O HOMEM QUE SABIA DEMAIS (THE MAN WHO KNEW TOO MUCH, 1956)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: James Stewart, Doris Day etc.
UM CORPO QUE CAI (VERTIGO, 1958)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: James Stewart, Kim Novak etc.
INTRIGA INTERNACIONAL (NORTH BY NORTHWEST, 1959)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Cary Grant, Eva Marie Saint, Martin Landau etc.
PSICOSE (PSYCHO, 1960)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Anthony Perkins, Vera Miles, Janet Leigh etc.
OS PÁSSAROS (THE BIRDS, 1963)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Tippi Hedren, Rod Taylor, Jessica Tandy etc.
MARNIE, CONFISSÕES DE UMA LADRA (MARNIE, 1964)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Tippi Hedren, Sean Connery etc.
CORTINA RASGADA (TORN CURTAIN, 1966)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Paul Newman, Julie Andrews etc.
TOPÁZIO (TOPAZ, 1969)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Frederick Stafford, Philippe Noiret etc.
FRENESI (FRENZY, 1972)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Jon Finch, Alec McCowen etc.
TRAMA MACABRA (FAMILY PLOT, 1976)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Karen Black, Bruce Dern etc.
ALFRED HITCHCOCK AND TO CATCH A THIEF: AN APPRECIATION (idem, 2002)
Direção: Laurent Bouzereau