quinta-feira, 9 de maio de 2013

Meus anos dourados com Hitch, ou Alfred Hitchcock em 12 capítulos e 1 epitáfio *

Henry Fonda,
O HOMEM ERRADO (THE WRONG MAN, 1956)


PARTE 8: O HOMEM ERRADO

"Hitchcock adora ser mal interpretado, porque ele baseou toda sua vida em torno de equívocos” - François Truffaut.


Noite de 14 de janeiro de 1953. Christopher Emanuel Balestrero, contrabaixista da banda do Stork Club de Nova York, está voltando para casa, após ter passado na agência de seguros aonde fora tentar obter um empréstimo para custear o tratamento dentário de sua mulher. Antes que possa entrar, é abordado por três policiais, que lhe pedem que os acompanhe.

Balestrero é levado à delegacia e lá fica sabendo que sua descrição física coincide com a de um bandido que vinha cometendo crimes na região, segundo informaram as funcionárias da corretora de seguros em que Balestrero estivera horas antes. Os homens o levam então a uma estranha "ronda" noturna: param primeiro em uma loja de bebidas, e pedem que ele entre, ande até o final do estabelecimento, e volte. Na parada seguinte, o mesmo procedimento, em uma mercearia.

Retornando à delegacia, os homens lhe fazem outro pedido: que ele copie o texto de um bilhete que fora escrito pelo tal bandido durante o assalto à corretora. Ele é forçado a fazê-lo outra vez, algo chamara a atenção dos policiais. A esta altura, as mulheres da corretora já estão na delegacia para a identificação dos suspeitos, e confirmam: Christopher Emanuel Balestrero é o homem que as assaltara duas vezes meses antes, e os policiais o detêm no distrito.

A partir de então, a vida de Manny, como era conhecido, se torna um inferno. Ele deve provar que, a despeito do testemunho de diversas pessoas que afirmam reconhecer seu rosto como sendo o do bandido, e da incrível semelhança entre sua caligrafia e a do criminoso, ele é inocente.

Auxiliados por seu advogado, Manny e sua esposa, Rose, lutam para encontrar testemunhas que confirmem seu álibi, de que ele não estava onde diziam que estava na hora do crime. Surpreendentemente, estas pessoas ou já estão mortas, ou não se conhece seu paradeiro. Rose, cada vez mais esgotada, cai em depressão, culpando-se pela desventura do marido: acredita que se fosse mais controlada com dinheiro e se não tivesse tido problemas de saúde, seu marido não precisaria ter ido à corretora de seguros e não teria sido confundido, e nada disso estaria acontecendo. A senhora Balestrero é internada em uma clínica.

Começa o julgamento, mas o advogado de Balestrero pede sua anulação antes que ele chegue ao fim, devido à reação de um dos jurados. Um novo julgamento é marcado, e nesse meio tempo, o verdadeiro criminoso é pego, identificado e preso. Manny Balestrero agora é um homem livre novamente, seu pesadelo chegou ao fim. Ele vai imediatamente à clínica dar a boa nova à Rose, mas seu estado piorara, sua depressão é profunda.

Dois anos se passaram até que Rose estivesse totalmente curada, e enfim o músico tivesse sua vida de volta à normalidade, vivendo em paz com a mulher e seus dois filhos.

Este roteiro que, a começar pelo título do filme, pode sintetizar toda a temática do homem errado presente ao longo da filmografia de Hitchcock, é real. Manny, interpretado por Henry Fonda, e sua esposa Rose, vivida por Vera Miles, são reais. A família Balestrero passou realmente por esse pesadelo, digno de um filme do mestre do suspense. Por essa razão, Hitchcock deu a ele um tratamento sério, sem a habitual pausa para o humor, que o mestre usava para quebrar a tensão.

A própria aparição de Hitchcock no filme não é cômica, como de costume. Ele aparece em uma espécie de prólogo, anunciando ao espectador que ele verá uma história extraordinária, e real. O detalhista diretor também filmou sua história real em locações reais: o Stork Club do filme é o mesmo em que Manny trabalhava; a cela em que Henry Fonda é filmado é a mesma em que o músico passara a noite ao ser detido e o sanatório em que Vera Miles interpreta uma mulher mentalmente esgotada é aquele em que Rose fora internada.

O homem e a mulher errados, às avessas

A temática do homem errado é tratada sob outra perspectiva em dois filmes de Hitchcock. Em A SOMBRA DE UMA DÚVIDA (SHADOW OF A DOUBT, 1943), a jovem Charlie (Teresa Wright) nutria enorme admiração por seu querido tio Charlie (Joseph Cotten), até descobrir que ele era um frio assassino: o homem que ela tratava com veneração não era quem ela pensava que fosse. Já Miss Froy, a encantadora velhinha de A DAMA OCULTA (THE LADY VANISHES, 1938), era na verdade um agente secreto da Scotland Yard, em uma importante missão, enganando a preocupada Iris (Margaret Lockwood), que buscava por ela incansavelmente pelo trem em que viajavam, sem saber que a doce senhora havia sido amarrada e amordaçada por inimigos da pátria.

As pessoas erradas...

O INQUILINO SINISTRO (THE LODGER: A STORY OF THE LONDON FOG, 1927), mas inocente. DOWNHILL (idem, 1927): o estudante injustamente acusado de roubo, obrigado a deixar a faculdade e sua casa, expulso pelo pai. A atriz acusada de um ASSASSINATO (MURDER!, 1930) que não cometeu. Uma espiã da rede de espionagem chamada OS 39 DEGRAUS é encontrada morta, e inicia-se uma caçada ao suspeito do crime, que não tem culpa de nada. Um JOVEM E INOCENTE (YOUNG AND INNOCENT, 1937)  acusado de matar sua amante.

A recém-casada que SUSPEITA (SUSPICIOUN, 1941) que seu marido queira matá-la. O jovem suspeito de ser um SABOTADOR (SABOTEUR, 1942). Um padre que vive A TORTURA DO SILÊNCIO (I CONFESS, 1953) passa a ser o suspeito de um crime por não poder violar o segredo da confissão. DISQUE M PARA MATAR (DIAL M FOR MURDER, 1954) sua esposa; se ela sobreviver e matar seu assassino, pode ainda ser condenada por isso. Um cidadão comum que, confundido com um espião, se vê envolvido em uma INTRIGA INTERNACIONAL (NORTH BY NORTHWEST, 1959). Um homem acusado de ser um estrangulador de mulheres, crime que deixa Londres em um verdadeiro FRENESI (FRENZY, 1972).

As pessoas erradas na hora errada.



* Trabalho de minha autoria produzido em tempos acadêmicos



O INQUILINO SINISTRO (THE LODGER: A STORY OF THE LONDON FOG, 1927) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Ivor Novello, Marie Ault etc.


DOWNHILL (idem, 1927) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Ivor Novello, Ben Webster etc.


ASSASSINATO (MURDER!, 1930) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Herbert Marshall, Norah Baring etc.


OS 39 DEGRAUS (THE 39 STEPS, 1935) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Robert Donat, Madeleine Caroll etc.


JOVEM E INOCENTE (YOUNG AND INNOCENT, 1937) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Nova Pilbeam, Derrick De Marney etc.


A DAMA OCULTA (THE LADY VANISHES, 1938) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Margaret Lockwood, Michael Redgrave etc.


SUSPEITA (SUSPICIOUN, 1941) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Cary Grant, Joan Fontaine etc.


SABOTADOR (SABOTEUR, 1942) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Robert Cummings, Priscilla Lane etc.


A SOMBRA DE UMA DÚVIDA (SHADOW OF A DOUBT, 1943)
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Teresa Wright, Joseph Cotten etc.


A TORTURA DO SILÊNCIO (I CONFESS, 1953) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Montgomery Clift, Anne Baxter etc. 


DISQUE M PARA MATAR (DIAL M FOR MURDER, 1954) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Ray Milland, Grace Kelly, Robert Cummings etc.


O HOMEM ERRADO (THE WRONG MAN, 1956)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Henry Fonda, Vera Miles etc.


INTRIGA INTERNACIONAL (NORTH BY NORTHWEST, 1959) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Cary Grant, Eva Marie Saint, Martin Landau etc.


FRENESI (FRENZY, 1972) 
Direção: Alfred Hitchcock 
Com: Jon Finch, Alec McCowen etc.