quarta-feira, 3 de abril de 2013

Meus anos dourados com Hitch, ou Alfred Hitchcock em 12 capítulos e 1 epitáfio *


PARTE 3: FREDDIE GOES TO HOLLYWOOD


1938 - O produtor norte-americano David Selznick envia a Hitchcock um telegrama convidando-o a ir para os Estados Unidos dirigir um filme inspirado no naufrágio do Titanic. Hitchcock aceita a proposta e, ao terminar as filmagens de A ESTALAGEM MALDITA (JAMAICA INN, 1939), embarca com sua família rumo à terra de Tio Sam. 

1940 - Lá chegando, o projeto, tal como o transatlântico que o inspirou, naufraga. Hitchcock é então incumbido de filmar REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL (REBECCA, 1940). O romance que o inspirou, de autoria da escritora inglesa Daphne du Maurier (que Hitchcock já adaptara em seu filme anterior, A ESTALAGEM MALDITA, e mais tarde, em 1963, adaptaria também em OS PÁSSAROS (THE BIRDS, 1963)) seria mais tarde acusado de ser um plágio de uma obra brasileira, A sucessora, de Carolina Nabuco, que por sua vez também gerou sua versão audiovisual, como novela da Rede Globo, em 1978. 

Ambas as tramas contam a história de uma jovem sem nome que se casa com um viúvo e se sente ameaçada pela presença da antiga esposa, morta em circunstâncias ainda não satisfatoriamente esclarecidas. A nova esposa é muito jovem e sem experiência na vida da alta sociedade, ao contrário de sua antecessora, que fora admirada e cortejada por todos. A presença da falecida está entranhada na mansão, intimidando a nova senhora. 

Oscar & Alfred 


Polêmicas à parte, REBECCA ganhou um motivo a mais para tornar-se inesquecível: foi a única película de Hitchcock a conquistar o Oscar, a premiação máxima da indústria cinematográfica norte-americana, de melhor filme, em 1940. No entanto, a estatueta foi para seu produtor, David Selznick - Hitchcock jamais ganhou um Oscar, apesar de ter sido indicado cinco vezes como melhor diretor, inclusive por este filme. Ele também seria indicado por UM BARCO E NOVE DESTINOS (LIFEBOAT, 1944), QUANDO FALA O CORAÇÃO (SPELLBOUND, 1945), JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW, 1954) e PSICOSE (PSYCHO, 1960). 

REBECCA também levou o Oscar de fotografia em preto e branco, para Georges Barnes, além de ter sido indicado nas categorias ator (Laurence Olivier), atriz (Joan Fontaine) e atriz coadjuvante (Judith Anderson). No mesmo ano, CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO (FOREIGN CORRESPONDENT, 1940) foi indicado como melhor filme e ator coadjuvante (Albert Basserman). Joan Fontaine, que não levou a estatueta de melhor atriz neste ano, a levaria no seguinte, por SUSPEITA (SUSPICIOUN, 1941), que também concorreu como melhor filme. 

Outros filmes "oscarizados" de Hitchcock foram QUANDO FALA O CORAÇÃO, na categoria música de filme não musical (perdendo nas indicações de filme, direção e ator coadjuvante (Michael Chekhov)) e LADRÃO DE CASACA (TO CATCH A THIEF, 1955), pela fotografia em cores de Robert Burks. Outros indicados que não levaram o prêmio foram INTERLÚDIO (NOTORIOUS, 1946), categoria ator coadjuvante (Claude Rains); AGONIA DE AMOR (THE PARADINE CASE, 1947), categoria atriz coadjuvante (Ethel Barrymore) e PSICOSE, categorias direção e atriz coadjuvante (Janet Leigh). 

Notas de suspense 


"A vida sem música seria um erro" (Friedrich Nietzsche). Os filmes de Hitchcock, sem música, não chegariam a ser um erro, mas certamente perderiam muito de seu charme. A trilha sonora sempre teve papel fundamental em sua filmografia, e foi nos Estados Unidos que tal componente atingiu seu ápice, quando Hitchcock conheceu o compositor e maestro Bernard Herrmann, estabelecendo uma das mais felizes parcerias na música do cinema. 

Entre os anos de 1955 e 1964, Herrmann compôs a trilha sonora de todos os filmes de Hitchcock, começando com O TERCEIRO TIRO (THE TROUBLE WITH HARRY, 1955). Em O HOMEM QUE SABIA DEMAIS (THE MAN WHO KNEW TOO MUCH, 1956), é ele o maestro que rege a London Symphony Orchestra no concerto do Royal Albert Hall, no final do filme. Depois vieram O HOMEM ERRADO (THE WRONG MAN, 1956), UM CORPO QUE CAI (VERTIGO, 1958), INTRIGA INTERNACIONAL (NORTH BY NORTHWEST, 1959), PSICOSE, OS PÁSSAROS (como consultor de som) e MARNIE, CONFISSÕES DE UMA LADRA (MARNIE, 1964). CORTINA RASGADA (TORN CURTAIN, 1966) chegou a ter a trilha sonora composta pelo maestro, mas diretor e compositor divergiram quanto à música a ser utilizada e terminaram a parceria, para decepção de cinéfilos e melômanos. 

Outro parceiro fundamental de Hitchcock foi o diretor de fotografia Robert Burks, cujo Oscar ganho por LADRÃO DE CASACA em 1955 fez parte do período em que Burks trabalhou com Hitchcock, quando fotografou todos os seus filmes, com exceção de PSICOSE. Esta fase vai desde 1951, com PACTO SINISTRO (STRANGERS ON A TRAIN, 1951), até 1964, com MARNIE, CONFISSÕES DE UMA LADRA, incluindo A TORTURA DO SILÊNCIO (I CONFESS, 1953), DISQUE M PARA MATAR (DIAL M FOR MURDER, 1954), JANELA INDISCRETA, O TERCEIRO TIRO, O HOMEM QUE SABIA DEMAIS, O HOMEM ERRADO, UM CORPO QUE CAI, INTRIGA INTERNACIONAL e OS PÁSSAROS. A prolífica parceria com o mestre do suspense só findaria com sua morte, ocorrida após a realização de MARNIE. 

American way of life 


Alfred Hitchcock chegou aos EUA na década de 40, onde permaneceria até sua morte, quarenta anos depois. Se instalou com sua esposa Alma Reville e sua filha Patricia, então com 12 anos de idade, em uma casa afastada de Hollywood, em Santa Rosa. Durante parte de seu "reinado", a família viveu também em companhia de seus cães Filipe de Magnésia e Eduardo IX. 

Alma, que já trabalhava com seu marido desde a Inglaterra, prosseguiu com a parceria extraconjugal, na adaptação dos roteiros de A SOMBRA DE UMA DÚVIDA (SHADOW OF A DOUBT, 1943), AGONIA DE AMOR e PAVOR NOS BASTIDORES (STAGE FRIGHT, 1950). Neste último atuou também a filha do casal, que estudara artes dramáticas em Londres, e que participaria ainda de PACTO SINISTRO e PSICOSE. 

Apesar de já ter seu talento reconhecido ao chegar em terras americanas, foi nos EUA que Hitchcock viveu a fase áurea de sua carreira. Em sua fase americana, Hitchcock dirigiu não apenas seus maiores sucessos e as mais brilhantes estrelas da época – gente como Grace Kelly, James Stewart (que se tornaram os “musos” de Alfred), Laurence Olivier, Ingrid Bergman, Cary Grant, Gregory Peck, Marlene Dietrich, Montgomery Clift, Ray Milland, Doris Day, Henry Fonda, Kim Novak, Sean Connery, Paul Newman, Julie Andrews e Shirley MacLaine, que não fez por menos e começou sua carreira cinematográfica com o mestre, em O TERCEIRO TIRO -, e, consequentemente, seus filmes mais conhecidos mundo afora, em qualquer época, como também inovou, criativa e tecnicamente. 

O mestre do suspense, que fora o primeiro cineasta britânico a dirigir um filme sonoro, não se contentou que FESTIM DIABÓLICO fosse conhecido somente como seu primeiro filme em cores. Ele realizou a primeira experiência no cinema de um filme inteiramente rodado sem interrupção nas tomadas, em um único plano. Para contornar a dificuldade técnica da interrupção forçada no fim de cada rolo de filme, Hitchcock fazia com que neste momento a câmera desse um close-up no casaco de um personagem e, no início do rolo seguinte, a câmera começasse do mesmo ponto. Desta forma, a ação era contínua: FESTIM DIABÓLICO era um filme "das 19:30 às 21:15”. 

Além disso, Hitchcock também aderiu à técnica do cinema em terceira dimensão em um de seus filmes, DISQUE M PARA MATAR. Com o advento e popularização da televisão, os cinemas estavam perdendo terreno para as telinhas, e o artifício de criar a ilusão no espectador de que ele está dentro do filme a que está assistindo foi uma forma que os produtores da época encontraram para atrair seu público de volta. Apesar de o truque em DISQUE M só poder ser percebido na cena da tentativa de assassinato, sendo os óculos de 3D dispensáveis durante o resto, ainda assim é válida a incursão do mestre na nova técnica, mais uma prova de que ele era um diretor sempre receptivo ao novo. 

E, sendo a televisão um meio de comunicação em franca expansão, por que não se aliar também a ela? Em 1955 Hitchcock ganha seu próprio programa de TV, diretamente da CBS: Alfred Hitchcock presents – pequenas histórias de suspense, com duração aproximada de uma hora. Em 1960, a série passa a ser transmitida pela NBC, mudando de nome em 1962 para The Alfred Hitchcock Hour, sendo exibida até 1964. Hitchcock apresentou os primeiros episódios da primeira temporada e chegou a dirigir alguns deles, e a série seguiu com vida própria, carregando seu nome, sinônimo de suspense e sempre chamariz de público (no Brasil alguns episódios foram exibidos pela Rede Globo, na década de 80). 

Em 1956, Hitchcock revisitou seu clássico inglês de 1934, O HOMEM QUE SABIA DEMAIS, dirigindo a versão americana do filme, e só voltou a filmar novamente em seu país em 1944: BON VOYAGE e AVENTURE MALGACHE foram dois curtas-metragens de propaganda feitos para o Ministério da Informação britânico. Em 1972, Hitchcock filmou FRENESI (FRENZY, 1972) que, embora fosse uma produção americana, foi rodado em sua terra natal. 

Em 1955, o britânico Alfred Hitchcock naturaliza-se norte-americano.


* Trabalho de minha autoria produzido em tempos acadêmicos.


A ESTALAGEM MALDITA (JAMAICA INN, 1939)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Charles Laughton, Horace Hodges etc.


REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL (REBECCA, 1940)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Laurence Olivier, Joan Fontaine, George Sanders etc.


CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO (FOREIGN CORRESPONDENT, 1940)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Joel McCrea, George Sanders etc.


SUSPEITA (SUSPICIOUN, 1941)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Cary Grant, Joan Fontaine etc.


A SOMBRA DE UMA DÚVIDA (SHADOW OF A DOUBT, 1943)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Teresa Wright, Joseph Cotten etc.


AVENTURE MALGACHE (1944)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Paul Bonifas, Paul Clarus etc.


BON VOYAGE (1944)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: John Blythe


UM BARCO E NOVE DESTINOS (LIFEBOAT, 1944)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Tallulah Bankhead, William Bendix etc.


QUANDO FALA O CORAÇÃO (SPELLBOUND, 1945)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ingrid Bergman, Gregory Peck etc.


INTERLÚDIO (NOTORIOUS, 1946)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ingrid Bergman, Cary Grant, Claude Rains etc.


AGONIA DE AMOR (THE PARADINE CASE, 1947)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Gregory Peck, Ann Todd, Ethel Barrymore etc.


FESTIM DIABÓLICO (ROPE, 1948)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Farley Granger, John Dall, James Stewart etc.


PAVOR NOS BASTIDORES (STAGE FRIGHT, 1950)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Marlene Dietrich, Jane Wyman etc.


PACTO SINISTRO (STRANGERS ON A TRAIN, 1951)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Farley Granger, Robert Walker etc.


A TORTURA DO SILÊNCIO (I CONFESS, 1953)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Montgomery Clift, Anne Baxter etc.


DISQUE M PARA MATAR (DIAL M FOR MURDER, 1954)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Ray Milland, Grace Kelly, Robert Cummings etc.


JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW, 1954)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: James Stewart, Grace Kelly, Thelma Ritter etc.


LADRÃO DE CASACA (TO CATCH A THIEF, 1955)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Cary Grant, Grace Kelly etc.


O TERCEIRO TIRO (THE TROUBLE WITH HARRY, 1955)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: John Forsythe, Shirley MacLaine etc.


O HOMEM QUE SABIA DEMAIS (THE MAN WHO KNEW TOO MUCH, 1956)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: James Stewart, Doris Day etc.


O HOMEM ERRADO (THE WRONG MAN, 1956)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Henry Fonda, Vera Miles etc.


UM CORPO QUE CAI (VERTIGO, 1958)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: James Stewart, Kim Novak etc.


INTRIGA INTERNACIONAL (NORTH BY NORTHWEST, 1959)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Cary Grant, Eva Marie Saint, Martin Landau etc.


PSICOSE (PSYCHO, 1960)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Anthony Perkins, Vera Miles, Janet Leigh etc.


OS PÁSSAROS (THE BIRDS, 1963)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Tippi Hedren, Rod Taylor, Jessica Tandy etc.


MARNIE, CONFISSÕES DE UMA LADRA (MARNIE, 1964)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Tippi Hedren, Sean Connery etc.


CORTINA RASGADA (TORN CURTAIN, 1966)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Paul Newman, Julie Andrews etc.


FRENESI (FRENZY, 1972)
Direção: Alfred Hitchcock
Com: Jon Finch, Alec McCowen etc.